sábado, 22 de março de 2008

#7 Salada de fruta tropical

Era uma vez uma goiaba (porque adoro goiabas!). Era o primeiro dia dela na feira. Regressava a casa depois de um tempo a rodar outras feiras. Fora recomendada pelo cupuaçu, colega de escola dos tempos das apanhas no sertão e que já trabalhava naquela há uns meses. A feirinha era colorida. Havia frutas para todos os gostos e feitios. Grandes, pequenas, duras ou macias, ásperas ou suaves, suculentas ou com menos sumo. Havia umas mais doces, outras mais amargas. Enfim, qualquer pessoa saía bem servida conforme os gostos. A goiaba logo se habituou ao seu cesto. A única coisa que queria era ser apreciada como as outras frutas e ser reconhecida pelas suas qualidades. A goiaba é rosada, tem umas pequenas sementes no seu interior e, quando madura, torna-se doce e suculenta.
Mas a concorrência na pequena feirinha da Beira Mar era feroz! Havia frutas que saltavam do seu cesto e insistiam em exibir-se. A goiaba achava aquilo algo estranho, já tinha passado por outras feiras e não tinha visto nada assim... Mas lá continuava na sua. Havia uma fruta em particular, o caju, - não o fruto seco, esse é só a semente da verdadeira fruta - que insistia em ficar na primeira fila em todas as frentes da bancada, repetindo e desgastando até a sua imagem. O caju é uma fruta estranha. Com um aroma muito bom, nota-se à distância. O sabor inicial também é muito bom, mas depois começa a secar.. e no final deixa um trago amargo na boca. De modo que é bem melhor comer ‘sorvete’ de caju do que a fruta em si.
Chegaram as placas com os nomes e os preços e o caju logo agarrou a maior, sem sequer questionar as suas colegas frutas. Na boa, pensava a goiaba, não é o tamanho da placa que me faz melhor ou pior. Chegaram novos cestos e pimba! Lá estava ele na linha da frente, dispensando regras de etiqueta e saudável convivência. Certo dia, a goiaba perguntou as horas ao caju: "Caju, tens horas?" - "Horas? São duas e meia. A propósito, hoje cheguei às seis da manhã aqui à feirinha, estava mesmo escuro..Quer dizer, se contar com o tempo de estacionamento mais o café, cheguei às cinco. Isto quando ontem saí daqui às duas da manhã.. Humm, afinal acho que nem fui a casa!"
De vez em quando, distribuía a sua castanha (o tal fruto seco que conhecemos por aqui) para curar algum mal entendido... Por momentos parecia sociável. Mas logo voltava ao ataque. Passava um cliente, e o caju descaí-se para ser notado. Passava uma brisa de vento e logo se ouvia o caju a pronunciar-se sobre a velocidade do vento, norte, sul, possíveis causas e efeitos. Antes mesmo do vendedor espirrar, ouvia-se o ‘Santinho!’ proferido pelo caju. Era importante cair nas graças do vendedor e dos clientes. As outras frutas ali do lado eram só um empecilho colorido à sua volta (com elas não era preciso haver grandes entendimentos..) Mas era bem colorido. E animado. Havia frutas castiças, outras mais calmas, mas o ambiente em geral era muito bom. A goiaba gostava de lá estar. Gostava em especial da tripla açaí com banana e guaraná. Tripla polémica, mas séria no seu trabalho. Tinham assente que a união lhes conferia mais sabor - uma lição que o caju nunca percebeu...-. Séria mas divertida ao mesmo tempo. Eram as mata-esfola-"vai lá confirmar que morreu mesmo"! Uma falava, as outras assinavam por baixo, aquilo é que era trabalho em equipa.
E à hora do lanche servia-se uma verdadeira salada de fruta. As outras bancas paravam para a olhar. Era colorida, viva, coesa. Havia siriguelas, graviolas (deliciosas estas!), açaís, papaias, umbus, cajás, mangas, abacaxis...muita fruta! (o caju raramente se juntava…não devia gostar de confusão). Tudo reunido para vender mais e melhor. Trabalhava-se muito naquela feirinha. Muitos clientes passavam até altas horas e era preciso dar o litro. Estava em franca expansão e era preciso apanhar a carruagem das feiras vizinhas.
Mas apesar disso, a goiaba percebeu que não havia lugar para ela naquele lugar. Não de acordo com a sua maneira de fazer as coisas... E que haveria feiras melhores para ela mostrar as suas capacidades. Então decidiu seguir para a seguinte. Havia muitas feirinhas à Beira Mar por explorar!
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[as frutas são típicas do nordeste brasileiro - e as graviolas são mesmo as melhores!! - M. fico à espera da salada de fruta portuguesa ;) ]

3 comentários:

Maurette disse...

Um texto perfeito para um momento "frutífero", cara amiga! Uma fábula moderna que pode dar ainda mais "frutos" - aliás, não só pode como deve! Além de ser poético, alegre e retratar muito bem o ambiente da feira como metáfora da diversidade, tem aquele toque de calor, sol e poesia indispensável à vida. E mostra o melhor: a disponibilidade e sensibilidade de um viajante diante das peculiaridades de uma paragem nova. Adorei mesmo.
(e sim, podes esperar a feira portuguesa, mas alguém vai precisar de ajuda com as frutas...)
Beijo
Maurette

Anónimo disse...

Por acaso, mas só por acaso, DETESTO Cajú!

Blharg...

Luize disse...

Também não acho o caju essas coisas todas. :)
Ficas aí nas saladas portuguesas, mas só por um tempo, pq os amigos daqui sentem muita falta, tá?
bjs